sexta-feira, abril 15, 2005

O primeiro violinista

No início éra o caos, algo inaceitável aos ouvidos leigos da plateia. Sons de todos os tipos, pessoas falando, vozes, muitas vozes, confusão.Aquilo se extendia, numa esperança certa de que estava aquele caos por terminar e assim, o que era esperado, substituiria a bagunça instalada. Entra então, pelo corredor das cadeiras onde sentam os músicos um homem de baixa estatura e um pouco passado do peso ideal. carrega orgulhoso consigo um violino. Quando ele chega á frente da orquestra, de repente todos começam a bater palmas frenéticamente (seriam seus amigos os que batiam palmas?). Eu até penso que é o maestro, mas o maestro não poderia ser, pois este traria à mão uma batuta e não um violino.Acompanho a plateia e bato palmas, mesmo sem entender quem seria o homem do violino e porque ele ganhava apláusos sem nem mesmo ter tocado uma simples nota. De repente, quando as palmas acabaram, ele põe o violino no ombro e com sua varinha toca uma nota, uma só. Este ato, como num dominó montado para cair, desencadeia outros tantos sons de outros instrumentos, sempre tocando a mesma nota, como que copiando aquela que o homem do violino tocou. Sons graves, sons metálicos e agudos, e por ultimo ele vira para os outros músicos que já tem o violino no ombro e toca novamente a nota. Ao que eles respondem tocando a mesma nota também. Veja que neste ponto já houve uma evolução que foi do completo caos para a mesmice de uma nota e minha esperança de que tudo iria melhorar aumenta. Então o homem do violino para de tocar e senta. Logo os outros também param. Ai entra um homem calvo no centro mas cabeludo nas bordas da cabeça e este, que a principio para mim iria ganhar vaias é muito mais aplaudido do que o primeiro do violino que afinal de contas não chegara atrasado à apresentação. ele vem até o centro do palco, agradece e enquanto as palmas ainda soam se vira. As palmas cessam. Ele levanta a mão que segura a batuta e a música começa. Um melodia que me obriga a fechar os olhos e deixar a alma aberta para as sensações que aqueles sons combinados me trazem. Começo então a me lembrar que um dia fui menino, e cada movimento diferente que o homem faz com aquela varinha mágica me trazem sons que levam meu pensamento ao tempo em que roubava goiabas no quintal do vizinho e corria de cachorros e donos ferozes, o primeiro mordia nádegas intrusas e o segundo, atirava com balas de chumbinho ou tiros de sal que doiam muito. Mas a música não dói, ela me acalma, e eu vou deixando-me tomar por sensações e lembranças, ainda de olhas fechados. De reoente, do nada e, sem avisar, uma lágrima eclode-me dos olhos e, eu que nem estou triste nem nada. E viajando na música continuo vendo as cabeças dos violinistas se mechendo como se tivessem um pescoço muito duro, e a mão do maestro, cada vez que descreve um semi-círculo, causa uma música parecida com a de uma criança que senta e desce num escorregador. Galopes de cavalos, sons angustiados e de aflição. Depois sons de flauta que pintam um menino fazendo traquinagens sem pensar nas consequencias disto e quando tudo está maravilhoso assim, a música para. Do nada ela para. Então o homem da varinha olha para a frente e todos os que devem ter viajado pelos lugares da alma onde andei enquanto a música tocava começam a aplaudir frenéticamente. O homem vira para a platéia e agradece, depois vira ao contrário da platéia e aponta os músicos, aperta a mão daquele que depois fui saber, era o primeiro violinista. Mais uma vez agradece os aplausos e sai levando atras de si os instrumentos e os músicos e deixando um filme gravado dentro de minha mente que avisa a você: Cuidado, ao assistir um concerto você pode fazer uma longa viagem e não querer voltar mais...

Rudi Santos
Após assistir o concerto da Orquestra da USP do dia 15 de abril de 2005

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