sábado, janeiro 30, 2016

Café com Farinha de milho em flocos




Eram umas 3 da tarde.Havia chovido no bairro. Cheiro de terra molhada. Terra vermelha que quando tava seca era pura poeira. A casa só tinha um quarto e um banheiro. Era de madeira. O menino sentado ali na porta via passar na rua carroças carregando ferro velho. Estava difícil a passagem das pessoas. A rua estava que era pura lama. Quintais abertos das casas vizinhas mostravam o quanto o bairro ainda era novo. O menino tinha os pés descalços e lama por fora deles. Pés frios de andar na lama. Sentia lama por dentro e lama por fora. Não via onde tudo aquilo poderia dar. Tudo aquilo era o que ele tinha. Mãe e pai pobres. Irmãos para dividir a comida. Sentado ali ele criava uma planta dentro da lama que havia dentro de si. Criava uma planta verde como um pé de milho. Esta planta lhe dava uma espiga cheia de idéias e estas idéias poderiam dar mais idéias quando plantadas. Para brincar, idéias. Um pedaço de caibro virava um caminhãozinho. Um pausinho menor virava um carro e vrrruuuum....dai um pregador virava um hominho que enfincado na lama esperava o carro para poder sair dali daquele bairro cheio de lama.
O carrinho de pau vinha e parava em frente ao hominho. Era um taxi. O hominho dera sinal. Mas não podia ficar ali parado por muito tempo porque o caminhão queria passar. Bibi, buzinou o caminhão. Quero passar poxa. -Passa por cima, disse o taxista que abria a porta do carrinho para o hominho. O menino via um futuro no qual os carros e caminhões viravam aviões. Dai o motorista do caminhão ficou bravo, ligou uma turbina e voou por cima do carrinho. O motorista do taxi nem ligou. Tava acostumado a ver caminhões voarem e pousarem logo a frente. O hominho pregador sentou em cima do carrinho e este se moveu. A mente do menino prosseguiu com a brincadeira e ele fazia barulhos de turbinas de avião, motores de carro. Encontrou quatro gravetos no meio da lama e fincou no chão. era a casinha do hominho. O taxi chegou na porta e o hominho pagou a corrida. -Obrigado seu motorista.  -De nada disse o Taxista. Parou um pouco de brincar quando sentiu cheiro de café fresco. Era o café fraco e doce de sua mãe. -Qué tomá café filho? Sim mãe, ele responde e pergunta  - Tem farinha de milho grosso? -Tem filho, ja sei qué pô no café né?
O menino entra na casa de chão batido. Apenas uns poucos móveis improvisados feitos pelo próprio pai. Quatro caibros e um compensado viraram uma mesa. O fogão a lenha, o copo de plástico. O menino despeja o café no copo, o cheiro, ah o cheiro do café da mãe é maravilhoso. Depois pega a farinha de milho em flocos e coloca dentro do copo de café. Hum, que delicia.Come com a colher. Ele adora farinha de milho com café. Tem coisa melhor no mundo? Ele senta na cama. A cama é um girau. Novamente quatro paus e um compensado viraram uma cama nas mãos fortes do pai. O pai não está, chega mais tarde. Ainda bem. O pai é briguento e sempre põe defeito no que o menino faz. Quando o pai não está vendo o menino faz caretas nas costas dele. Velho chato, pensa. E volta para a soleira da porta. a chuva cai de novo. O cafe esquentou por dentro. a barriga não ronca mais e pode então retomar a brincadeira. Quer mesmo é ir pra chuva brincar na enxurrada. Quando chove é legal porque ficam grandes poças de água na rua e dá pra pensar que é uma piscina. A mãe não deixa o menino brincar nas poças d'água. -Tem bichinhos nesta água, menino. pega doença. Que bichinos o que? Cadê os bichinhos que o menino não vê. Quando a mãe se distrai, ele pega a brincar nas poças d'água. A noite vem. Os sapos cantam sua mais alegre melodia. O menino não entende como os sapos podem cantar no meio da água fria do brejo verde que tem perto de casa.Quem canta tem alegria, como os sapos podem estar alegres se tão com frio.
Mas eles cantam. Foi, foi, foi , foi e por ai vão no seu foi foi sem fim. Hora de tomar banho. Os pés, as pernas estão sujos de lama vermelha. As mãos então nem se fale. A mãe esquenta a água no fogão a lenha improvisado que tem do lado de fora da casa. A água vem do poço. O menino ainda não tem força pra carregar o próprio balde, quem carrega a água é o irmão mais velho. Ele puxa a água com um sarilho que tem lá no poço. O balde é daqueles de alumínio que tem uma alça. amarrado numa corda o balde desce no poço e sobe cheio, dai o irmão tira a água e põe num latão que é um reservatório. Quando a pai chega em casa do trabalho, o latão tem que estar cheio, senão o irmão apanha. A mãe não pode pegar água porque não tem forças no braço pra isto. Dai o irmão traz água pra mãe que coloca numa lata grande no fogo e esquenta para o banho. Dai tem uma bacia grande de alumínio. A mãe põe a água quentinha dentro, mistura com água fria e da banho no menino ali, no meio da casa. O menino gosta de estar limpinho da lama vermelha que tinha no corpo. A mãe enxuga o menino e o deixa sequinho, quentinho e com as roupas que vai dormir e usar no outro dia. Todos dormem no mesmo quarto. O pai e a mãe dormem na cama com a menina  bebê. Os três irmãos dormem num colchãozinho no chão. O menino nem vê onde tá dormindo, a noite ele simplesmente apaga e sonha. Sonha com a casa da avó.Lá tem frutas deliciosas como mamão, manga e pêssego. E o cheiro. cheiro de casa da avó é muito bom. Lá tem doce, tem balas que o avô sempre trás para os netos. Ele sonha que está lá naquele bairro que a avó mora, la tem ruas asfaltadas, jogo de bola com o Carlinhos no corredor de entrada das casas e a avó conta histórias que leu de livros. Os avós ensinam o menino sobre as bandeiras de todo o mundo e ensinam a ele as primeiras letras. -Está quase lendo este menino, vai ser esperto na escola. Depois da  noite de sonhos lindos com a casa da avó o menino começa a ouvir de novo os sons do dia. Não está na casa da avó, está em sua casa. Parecia tão real, mas não, era sonho. O pai levanta as 5 da manhã para ir trabalhar longe. a mãe lhe dá um beijo e deseja bom trabalho. Dai o galo do vizinho canta. Dai a mãe levanta e começa a lavar a louça e lá vem o cheiro do café delicioso que o pai nem teve tempo de tomar antes de ir pro trabalho. Dai ele levanta e olha na rua de terra, agora mais seca do que ontem, moleque que rodam pneus velhos de carro com as mãos e correm para lá e para cá. Novo dia. Café gostoso com farinha de milho. Chuva, barro vermelho. Lama nos pés. Pes com lama por fora. Menino com lama por dentro. Tocos, carros voadores. Espiga de idéias. Tudo de novo que parece que nunca vai ter fim, tempo que não passa, coisa que parece que nunca vai mudar. Mas nada é urgente senão matar a fome e nada tem pressa, nem a chuva de ir embora, nem a lama de secar por dentro e por fora.

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